O recente surgimento de novas marcas de cerâmica chama a atenção para um movimento de redescoberta do processo artesanal. Conheça algumas ceramistas de Florianópolis que têm feito um trabalho importante:

Nu.a

ceramistas de florianópolis
Foto: Nadine Martinez

Nadine Martinez tem formação em design de moda e desde a graduação sentiu mais interesse pela área de produto, como projeto de jóias, acessórios e calçados, do que de vestuário. Foi professora no curso de moda por quatro anos, mas não se sentia totalmente realizada. 

“Na época conheci a ceramista Maria Cheung, que foi quem me apresentou o universo da cerâmica. Então começamos com um projeto de acessórios em cerâmica. Eu procurava por materiais que não fossem convencionais na produção de joias e acessórios, e ela queria fazer algo diferente com a cerâmica. E dessa parceria em diante ela foi entrando na minha vida, assim como a água quando molha a terra. Não foi algo pensado, não fui à procura da cerâmica, nos encontramos, e me apaixonei pelo fazer, não só pelo resultado final da peça em si, mas pelos processos de transformação da argila e esse universo infinito de possibilidades”, explica.

A Nu.a começou em 2018, quando ela retornou a Florianópolis depois de morar em Foz do Iguaçu. Começou a fazer cursos, a produzir peças e aos poucos a marca foi tomando vida. Chegou a levar a cerâmica em paralelo a outros trabalhos por um ano, até que em 2019 passou a se dedicar exclusivamente a ela. Hoje tem ateliê próprio, em parceria com as marcas A.Terra Estúdio e Frida Não Late. 

“Trabalhar com cerâmica, é trabalhar com terra, água, fogo, ar, e com o tempo, o nosso tempo e o dela.  É matéria viva em transformação. Cerâmica pode ser simples mas também é um fazer de muita resiliência e de muito aprendizado, todos os dias ela tem algo a te dizer, é um trabalho diário de investigação”. 

Ela gosta de se aventurar entre técnicas de modelagem de mesa como pinch pot e placas, assim como modelagem de torno e os moldes de gesso. Procura valorizar a argila/cerâmica, misturando tipos e cores e deixando ela mais aparente e em evidência nos produtos. Ela também dá aulas no ateliê livre da Faferia Cerâmica (foi professora de alguns ceramistas de Florianópolis listados abaixo, inclusive). 

As peças podem ser compradas pelo Instagram ou nos pontos de venda em Florianópolis, como a Sta. Maria Casa, no Mercado São Jorge, ou na Terra Maya, no Multi, e em Blumenau na loja Consumo Consciente. Nadine trabalha com encomendas, mas tem planos de trabalhar com coleções e produtos a pronta entrega.

La Joie

Anamaria Ramos, formada em engenharia e design de interiores, sempre gostou de arte e encontrou a cerâmica por acaso, em um curso de verão, quando sentiu a necessidade de soltar de vez sua criatividade. A La Joie nasceu uns cinco meses depois que ela tocou na argila pela primeira vez. Na mesma época, começou a receber encomendas. 

“Foi rápido mesmo, só podia, sou uma pessoa intensa, que mergulha de cabeça quando tem um objetivo. Então, desde meados de 2018, moldar a argila é meu único trabalho”, conta.

Para dar forma à argila, Anamaria utiliza as técnicas de placa, pinch pot, molde, e está treinando o torno. As peças, de diferentes cores, formas orgânicas e texturas, são queimadas em forno elétrico. 

“Acho que é a liberdade que imprimo na cerâmica o diferencial das peças. Busco fugir do óbvio, exploro os contrastes e sofro quando tenho que repetir algo. O movimento da cerâmica encanta quem procura sair da lógica industrial, aqueles que buscam um sentido puro, simples e robusto nos tempos atuais”.

Anamaria também começou a dar aulas de cerâmica em setembro deste ano. Em 2021, vai abrir o ateliê em um novo espaço, com showroom, aulas permanentes e cursos temporários. A La Joie está no Instagram e é através da rede social que ela recebe encomendas e realiza vendas diretas. Há ainda peças nas lojas Terra Maya Cosmética e Sta. Maria Casa, ambas em Florianópolis. 

Veja também: Nova geração de ceramistas de Florianópolis movimenta cena artesanal e artística

Matilda

cerâmica matilda
Foto: Carolina Arruda

As atividades manuais fazem parte da história da Maria Paula Vieira desde criança, tanto pelas brincadeiras quanto pelo trabalho da família, que fabricava produtos de pesca artesanal. Mas a cerâmica surgiu enquanto prática apenas em 2015, quando ela cursava psicologia na UFSC. Ela buscava um fazer com as mãos que fosse além do fazer com a palavra. Assim nasceu a Matilda, oficialmente desde 2016, mas foi em maio deste ano que ela assumiu a cerâmica enquanto um caminho profissional.

Todos seus processos são artesanais, a partir de técnicas de modelagem de mesa – principalmente as técnicas de belisco, placa e acordelado, mescladas sempre que possível. 

“Também gosto muito de criar texturas e realizar os processos da maneira mais espontânea possível, por isso não utilizo moldes e nem reproduzo peças com fidelidade. Por enquanto utilizo forno elétrico de outra ceramista, mas estou estudando outros tipos de queima para experimentar. Acredito que meu diferencial está se construindo a partir de uma linguagem artística expressa na criação de cada peça, de maneira única, respeitando sempre a história da cerâmica, seus processos e cada material utilizado”, comenta.

É possível comprar e saber mais pelo Instagram ou pelo site www.matildaceramicas.com.br. Há peças a pronta entrega ou sob encomenda. Também há peças à venda na Casa Lilled e no Lammas Café. A Maria Paula também dá aulas de cerâmica para iniciantes, com oficinas e aulas particulares continuadas. As aulas acontecem na casa dela, onde fica o ateliê, no Rio Tavares. Quem tiver interesse pode entrar em contato pelo Instagram ou pelo WhatsApp (48) 98805-04585.

A.Terra Estúdio

ceramistas de florianópolis
Foto: Mary Yamakawa

Mary Yamakawa é arquiteta e urbanista de formação. No começo da carreira, trabalhou coordenando a disciplina de sustentabilidade em projetos comerciais. Acabou saindo da área para ajudar no negócio da família e constituiu uma empresa de distribuição e representação. Depois de atingir os objetivos previstos, entrou em um ano sabático e acabou tendo contato com o mundo da cerâmica.

“Muita coisa aconteceu nesse tempo, mas só agora tive coragem de assumir que isso passaria de hobby para um assunto mais sério. O a.terra estúdio tem apenas 4 meses e está em constantes revoluções, mas não me dedico exclusivamente à marca”, conta.

Em suas peças, Mary utiliza a técnica de modelagem manual. Entre as preferidas estão o acordelado, que consiste em fazer as peças a partir de “cobrinhas” de argila, e o brunido, uma espécie de polimento que é feito em um ponto específico da secagem, que resulta em uma peça com os poros da cerâmica mais fechados e uma superfície mais homogênea. 

“Hoje estou em um espaço compartilhado com as marcas Nu.a e Frida Não Late. Toda a minha experiência de vida, desde leituras, viagens, referências arquitetônicas, tudo o que eu fiz até hoje é refletido no resultado das minhas peças. Cada pessoa que tem uma peça minha levou um pouco de mim para casa”, finaliza.

O trabalho está em exposição nas redes sociais. Também há o recém-lançado site aterraestudio.com.br para vendas online. É possível ainda visitar o estúdio, no Centro de Floripa, mas por conta da pandemia é preciso marcar horário com antecedência. 

Gravatá

gravatá cerâmicas

A bióloga Cynthia Berto sempre foi “metida nas artes”, como ela brinca, mas começou a se interessar pela cerâmica quando viu algumas peças da Lika Takahashi, tradicional ceramista local, alguns anos atrás. 

“Posterguei muito para procurar um lugar que oferecesse aulas de cerâmica. Até que, na inauguração da Ponte Hercílio Luz, novamente encontrei peças da Lika e foi como um gatilho. Já no dia seguinte dei início às aulas na Faferia, no Centro. Fiz apenas quatro aulas com a professora Nadine (Nu.a), que me deram os conhecimentos básicos, e em casa praticava sozinha com os utensílios que tinha na cozinha. Até hoje sigo assim”, explica.

Cynthia, que ainda pretende estudar Artes Visuais, criou a Gravatá em julho de 2020. Ainda trabalha paralelamente em outro ramo, mas tem o sonho de ter um ateliê e um forno um dia. 

“Minhas peças trazem informações, misturas e muitas variações de cores e argilas. Sou assim na vida também. Não me limito a produção de peças específicas”, conta. 

As peças da Gravará estão disponíveis sob encomenda. É possível saber mais pelo Instagram

Silver

silver cerâmica
Foto: Vini Simas

Juliana Silver é formada em design de moda com master em styling em Roma. Trabalhou com visual merchandising e display em Londres, período no qual começou a me interessar por cerâmica e chegou a fazer um curso. Depois de 11 anos morando fora do Brasil, resolveu partir para um ano sabático. Viajou o mundo e foi atravessando desertos e aprendendo as mais variadas técnicas ancestrais de artesanato com povos locais da Ásia e América do Sul que a /ˈsilvər/ nasceu. 

“Foi uma reconexão com a minha alma. Minhas inspirações vêm das minhas experiências de vida, das minhas viagens e da natureza”. 

O lançamento da marca foi no Nomad Mercado, em maio de 2019. As peças são quase todas feitas no torno, exceto algumas poucas feitas pela técnica de modelagem, queimadas em forno elétrico. São produtos utilitários, multifuncionais, duráveis e resistentes, práticos para o dia a dia e com estética minimalista. Também podem ir para microondas, forno e máquina de lavar. 

“O diferencial da /ˈsilvər/ é que meu ofício é parte de mim. As minhas vivências refletem diretamente na alma da marca”.

É possível saber mais pelas redes sociais e site. A marca transita entre a Capital e Blumenau e também tem peças no Mercado Sem Lixo, em Floripa, e na Feira na Rosenbaum. A Juliana aceita encomendas alinhadas com sua estética e cores de argila e esmaltes.

Áter Cerâmica

cerâmica em florianópolis

Ágata Tomaselli é ceramista, entusiasta das experimentações e estudos de esmaltes, argilas, tornos e queimas. De Blumenau, veio para Floripa para estudar Artes Visuais na UDESC, curso pelo qual, indiretamente, encontrou a cerâmica. 

“Foi lá que conheci o professor José Kinceler e o Coletivo Geodésica, cujas propostas de arte relacional e colaborativa eram muitas vezes permeadas pelo uso da argila. Assim, quando comecei a me envolver com o Coletivo Geodésica, comecei a me aproximar mais do fazer cerâmico também, apesar de a Cerâmica não fazer parte do currículo de Licenciatura, que eu cursava”.

Ágata então se matriculou nas disciplinas de cerâmica como matérias optativas e também fez aulas de torno oferecidas em uma oficina na UDESC. Estudou ainda na Escola de Oleiros de São José para aprofundar o conhecimento da roda de oleiro e também se tornou bolsista no programa de extensão vinculado ao ateliê de cerâmica da UDESC (o Nupeart). A Áter nasceu em 2016, e atualmente é o foco de sua dedicação diária. 

“Ela representa a materialização da minha história com a cerâmica, e praticamente todos os projetos que me envolvo tem pelo menos um pézinho na cerâmica. Minha especialização técnica é o torno, ou roda de oleiro, tanto a roda de chute, mais antiga e tradicional, quanto o torno elétrico. Sou apaixonada pelo tornear, seja pelo simples fazer, pelas pessoas que me conecto através do torno, seja pelos desafios que me propõe, pela produção de peças iguais ou uma peça que comecei sem saber como ela terminaria”, comenta.

As queimas são feitas geralmente em fornos elétricos de terceiros, mas ela ocasionalmente também faz queimas à gás e à lenha. 

“Tenho me dedicado, também, ao estudo da composição e formulação dos esmaltes, que é um mergulho no universo da química, com descobertas a cada fornada e leva de testes”.

Ágata dá aulas semanais de torno cerâmico, na Faferia Cerâmica. Na Áter, ela trabalha, principalmente, com encomendas, mas há algumas peças na loja Com.Sumo Consciente (em Blumenau). Para saber mais é só visitar o Instagram da marca.

Frida Não Late

ceramistas de florianópolis - frida não late
Foto: Caroline Kincheski

Existe um pequeno mistério sobre quem está por trás do Frida Não Late. A ideia inicial desta matéria, inclusive, era incluir somente ceramistas mulheres. Foi uma surpresa quando entrei em contato pelo Instagram da marca e descobri que quem está por trás é o Andrei (assim mesmo, sem sobrenome, para tentar manter parte do mistério).

“As pessoas ficam confusas. Não foi intencional, mas acabou rolando e estou adorando”, brinca.

Formado em arquitetura, sempre foi ligado às artes, por influência da mãe e, depois da faculdade, ao design de produto. Após desenhar ideias de outras pessoas, sentiu a necessidade de expressar as suas próprias. Nessa busca, iniciou-se uma série de acontecimentos que culminou no Frida Não Late.

“O interesse pela cerâmica, entre uma infinidade de materiais que poderia ter escolhido, foi pela praticidade do processo. É relativamente simples (e não necessariamente fácil) extrair minhas ideias e modelá-las tridimensionalmente, e o que complementa é a plasticidade do material, o processo silencioso, a história, e também a transformação física que é muito instigante”.

Atualmente, a marca ocupa um espaço colaborativo de criação voltado à cerâmica, chamado de Ateliê do Futuro, junto com a Nu.a e a A.Terra Estúdio. Segundo Andrei, a ideia é fomentar cada vez mais o mercado da cerâmica contemporânea, celebrar as virtudes do feito à mão e conectar pessoas que têm os mesmos interesses. 

As peças são produzidas a partir de variações de alguns métodos padrões da cerâmica, como o acordelado, as placas, o pinch pot, os moldes de gesso, o processo de acabamento brunindo ou lixando, entre outras. Ele também já se aventurou no torno e em técnicas japonesas, como o nerikomi. 

“O trabalho que acontece dentro do estúdio é completamente experimental, quase subversivo aos processos tradicionais, apesar de respeitá-los, afinal, foi por eles que aprendi esse ofício. Tanto o material quanto as técnicas são consequências do resultado que eu busco, as únicas premissas são: ter um momento prazeroso enquanto produzo, que a forma do objeto transcenda a função e que os conceitos conversem com as minhas referências artísticas”, finaliza.

Quem quiser pode conhecer mais pelo Instagram. Também existem peças em algumas lojas: por enquanto, na Casa Diária, em São Paulo, e na Flô Tea House, em Florianópolis, em breve chegarão também na Reviva Conceito do Leblon e da Barra da Tijuca, no Rio, e na Galeria + Arte em Londrina, Paraná. O Frida Não Late também trabalha com encomendas. 

Cura

Prestes a terminar a faculdade de direito, Vitória Facini passou por um período difícil em que precisou ter um momento para cuidar de si mesma. Em 2018, quando ainda morava em Curitiba, teve o primeiro contato direto com a cerâmica.

“Criei a Cura sem pretensão de ser um ‘negócio’ porque eu sinto que é uma extensão de mim, a ideia era somente compartilhar os processos (internos e externos). A marca foi criada há um ano e me dedicava exclusivamente até março de 2020, quando criei a Viva Colaborativo (junto a minha sócia, Cris), uma loja colaborativa que conta com o trabalho de vários artesãos locais”, conta. As peças podem ser encontradas por lá e pelo Instagram. Em breve, também no Galpão Jardim Secreto (SP) e na Sta. Maria Casa, em Floripa.

Vitória pensa na Cura como uma maneira de promover um momento de pausa no dia a dia, enquanto as pessoas fazem o uso das peças. Ela acredita que a cerâmica artesanal vai ao encontro do que temos buscado: o comércio local e feito à mão, consumo consciente e a valorização de peças exclusivas, que foram feitas respeitando tempo e espaço, como o meio ambiente. Para criar, ela utiliza técnicas de modelagem manual, como placa, pinch pot e acordelado.

“Utilizo fornos elétricos que chegam a temperatura de 1240 graus aproximadamente para ter resultados mais previsíveis, mas não descarto experiências como raku e queimas mais tradicionais, que hoje conhecemos como as ‘primitivas'”.


Foto em destaque: Áter Cerâmica