Sommelière fala sobre a importância da educação para o vinho e mais

No começo da primavera, durante um jantar no Mercado Sehat, em Florianópolis, harmonizado com vinhos catarinenses da Terroir Catarina, a sommelière Rossela Ceni passava de mesa em mesa apresentando os rótulos e explicando as harmonizações. A maneira simples, respeitosa e apaixonada como ela fala de vinho chama a atenção e foge daquele estereótipo do sommelier metido. Bati um papo com ela – regado a café, pois marcamos de nos encontrar pela manhã – para saber mais sobre sua história e o trabalho importante que ela realiza na educação para o vinho.

Rossela, te acompanho pelas redes sociais e sei que você é uma mulher advogada, lésbica, super de esquerda e sommelière. Como foi parar nesse mundo dos vinhos? 

Sou tudo isso, junto e misturado. Sempre gostei de vinho, amigos que me conhecem há mais de 20 anos têm essa referência a meu respeito. Mas esse caráter mais vinculado à educação vem de uns quatro anos. Fiz as minhas duas primeiras formações na escola britânica (WSET – Wine & Spirit Education Trust) e em 2016 fiz a formação profissional da ABS (Associação Brasileira de Sommeliers). A coisa tomou um corpo tão sério que hoje sou vice-presidente da associação. É uma paixão bem grande, um hobby que está se tornando sério e com uma cara profissional. Hoje, o vinho toma quase metade do meu tempo, e eu não sei dizer até onde é profissional e até onde é lazer. Mas minha atividade principal é a advocacia. É o que garante fomentar minha carreira na área. Talvez, no futuro breve, as coisas mudem. Tenho um vínculo bem grande com a educação para o vinho. Estou iniciando a atividade de professora na área da degustação, e também realizo uma consultoria com a Terroir Catarina, na qual faço seleção de rótulos, relacionamento e esclarecimento de aspectos técnicos no momento da venda. É bacana estar perto do cliente para poder orientar melhor.

Por que a educação para o vinho é tão importante?

São duas coisas que me atraem. Primeiro, a popularização da bebida, que é saudável e economicamente importante. Segundo, para desmistificar a pessoa do sommelier. Durante muito tempo as coisas tiveram uma cara elitizada, mas isso é ridículo. Vinho é um alimento, produto de um trabalho, e não faz o menor sentido ser assim. Meu interesse também é estabelecer um serviço melhor de vinhos em Florianópolis. Apesar de ter um setor de gastronomia e bebidas muito necessário em função do turismo, ainda é carente na área. Por meio da ABS, pretendo fomentar esse tipo de crescimento na cidade. É um trabalho de formiguinha.

Existe mesmo essa visão elitizada, a pessoa que leva vinho para um churrasco, por exemplo, ainda é vista como fresca. 

Eu sou a chata. Tem um vinho que gosto muito, o Pipeño, um natural produzido no Chile por uma figura chamada Cacique Maravilla. Aquela bebida me dá a exata noção de que vinho é um simples produto. É bruto, você sente o cheiro e se imagina bebendo aquilo enquanto você faz um trabalho de jardinagem, por exemplo. E é um tinto. Mas também não dá para descuidar de outro aspecto. O Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho) lançou recentemente uma campanha que ao meu ver foi patética e idiotiza o público-alvo, como se ele fosse incapaz de entender a melhor maneira de consumir algo (Seu vinho, suas regras, que buscava atingir o público millennial com imagens de jovens bebendo vinho com canudinho ou copo de plástico).  Ninguém faz propaganda de hambúrguer falando que ele deve ser comido frio, por exemplo. É um exemplo grosseiro, mas todo alimento tem sua temperatura e a melhor maneira de ser consumido. Não é à toa que se diz que um vinho fica melhor em uma taça específica. Não é dessa maneira que vai se educar as pessoas a beber. Não tem nada a ver com elitização e glamour, e sim com qualidade.


Digitar “mulheres e vinhos” no Google Imagens é uma experiência horrível. Aparecem mulheres de batom vermelho, com salto alto, relacionando com sensualidade. 

É só mais um reflexo do machismo. No meu núcleo de mulheres que consomem vinho, tanto na direção da ABS quanto nas alunas e em uma confraria enorme só de mulheres que a gente tem, não tem nenhum propósito nesse sentido. O girl power está bombando. É muito bacana porque o vinho reúne uma diversidade de pessoas que me permite conviver com mulheres que eu não conviveria em minhas atividades “normais”, fora desse ambiente. E todas passam muito longe dessa ideia de sensualidade.

Me fala mais sobre essa confraria.

O grupo Descorchadas começou no ano passado, a partir de uma iniciativa de uma colega de direção da ABS, a Carolina Sena. Começou no WhatsApp e o primeiro encontro presencial foi em julho. É bem livre. A cada mês, uma confreira recebe em sua casa, escolhe os vinhos e o que vai servir. Inicialmente, demorávamos para reunir 10 pessoas. Hoje é concorridíssimo. Tem encontros para 25 pessoas que esgotam semanas antes. É um grupo bem focado na qualidade do vinho e vai ter vida longa.

O que falta para os vinhos de SC serem reconhecidos, de forma mais ampla, como bons rótulos?

Só falta tempo. A viniviticultura de Santa Catarina é muito jovem. Estamos falando de 20 anos, o que não é nada. Mas os vinhos catarinenses já começam em um patamar – com todo respeito à história do RS – superior. Temos condições climáticas fantásticas e a altitude favorece. São bebidas de perfil mais elegante, de maturação mais longa, que permite que elas mostrem todas as suas características. Temos vinhos muito longevos. Abri recentemente na minha casa um cabernet sauvignon da Hiragami de 10 anos. Então temos longevidade, terroir e bons profissionais. Deixa o tempo correr. Vai acontecer, tenho certeza que é a mais promissora região vitivinícola do país.