Transexuais, travestis, pessoas negras e bissexuais concentram as maiores desigualdades; mapeamento também revela reprovação massiva do presidente Bolsonaro entre população LGBTI
A partir da aplicação de pesquisa online com participação de dez mil pessoas em todos os estados brasileiros, o coletivo #VoteLGBT desenvolveu um índice inédito que consegue medir a vulnerabilidade LGBTI à Covid-19. Após análise de dados envolvendo acesso a serviços de saúde, exposição ao coronavírus e informações sobre renda e trabalho, foi possível aos pesquisadores estruturar todas essas camadas de desigualdades e compreender seus desdobramentos em cada um dos representantes da sigla. O resultado demonstra que as transexuais e travestis são as mais vulneráveis aos impactos do isolamento social, seguidas pelas pessoas pretas, pardas e indígenas. O grupo da população bissexual aparece como terceiro mais em risco, e todos esses aparecem na faixa de vulnerabilidade considerada grave. Os resultados finais da pesquisa foram apresentados no Dia Internacional do Orgulho LGBTI, por meio de um relatório realizado em parceria com a Box1824, consultoria de tendências em comportamento e inovação.
Um dos resultados alcançados pelo mapeamento foi identificar os contrastes nas diversas fases das vidas LGBTI.
“Se na adolescência essas dificuldades de comunicação de identidade são permeadas pela falta de independência financeira, na fase adulta questões de saúde mental são combinadas com ausência de trabalho e renda. Já nas idades mais avançadas, a solidão aparece como um dos maiores desafios”, resume Samuel Silva, demógrafo da UFMG que participou do trabalho.
Trata-se da segunda etapa de divulgação dos dados coletados pela pesquisa do #VoteLGBT. Na primeira parte, realizada em maio, os pesquisadores conseguiram mapear as principais dificuldades entre os LGBTIs durante o isolamento social: o diagnóstico prévio de depressão entre eles e elas é quatro vezes maior, se comparado ao restante da população, enquanto o índice de desemprego entre LGBTIs foi o dobro do demonstrado pelos demais, segundo a pesquisa PNAD Contínua divulgada pelo IBGE em abril.
Entenda o índice de vulnerabilidade LGBTI à Covid-19 (VLC)
Como a pandemia de coronavírus pode impactar as vidas das pessoas LGBTIs de formas múltiplas e cumulativas, os pesquisadores conseguiram traçar marcadores que envolvem cruzamento de dados sobre acesso à saúde, trabalho, renda e exposição ao risco de infecção ao coronavírus. Analisados em conjunto, esses fatores contribuem no entendimento sobre a capacidade das pessoas em se sustentar e se manter em isolamento social.
Os pesquisadores também perguntaram os respondentes a respeito do nível de isolamento social praticado, o número de pessoas conhecidas que já foram diagnosticadas com coronavírus, o acesso aos serviços de saúde e diagnóstico prévio de comorbidades. Avaliadas em conjunto, todas essas características possibilitaram o desenvolvimento do índice de Vulnerabilidade de LGBTIs à Covid-19 (o VLC), que nos informa as diferenças de risco e impactos do coronavírus entre pessoas LGBTIs, utilizando da mesma metodologia do índice de vulnerabilidade social do IPEA.
O VLC é um índice que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo a 1, maior a vulnerabilidade à Covid-19 do grupo analisado.

Em linhas gerais, o índice de vulnerabilidade apresenta três principais dimensões que podem ser observadas de maneira separada ou através do índice sintético.

Os resultados encontrados no índice apontam que a população LGBTI se encontra em um nível de vulnerabilidade alta, segundo as dimensões de renda e trabalho, exposição ao risco de Covid-19 e saúde. Mas as desigualdades encontradas dentro do grupo LGBTI são ainda mais preocupantes. Três grupos aparecem na faixa considerada grave. São eles os das pessoas trans, das bissexuais e das pretas, pardas ou indígenas. Se avaliado somente o critério que relaciona a exposição ao risco, todos os grupos apresentam alta vulnerabilidade.
A dimensão de renda e trabalho foi a que apresentou maior pulverização dos LGBTIs entre as faixas de vulnerabilidade, o que torna as desigualdades mais latentes. Enquanto pessoas cisgênero, em especial homens cis, gays, pessoas brancas e asiáticas estão em vulnerabilidade baixa, pessoas trans, mulheres cis, pessoas pretas, pardas e indígenas, lésbicas e bissexuais apresentam vulnerabilidade média.
Desta forma, o índice de vulnerabilidade consegue materializar e alinhavar as diversas desigualdades que marcam as vivências da população LGBTI em toda sua diversidade, algo que sempre foi defendido pelos movimentos sociais. Os diferenciais de identidade de gênero, raça/cor e identidade sexual aprofundam a condição de vulnerabilidade, que já é alta entre o grupo, como explica Fernanda De Lena, demógrafa da Unicamp que integra o #VoteLGBT.
“A ideia é sintetizar diversas dimensões relacionadas a vulnerabilidade dessa população em um único índice que pode ser comparável entre as várias identidades que interseccionam nossa comunidade”, acrescenta.
Os pesquisadores também questionaram os entrevistados sobre o desempenho dos gestores públicos no combate à pandemia. Para 98,7% das pessoas LGBTIs a performance do presidente Jair Bolsonaro é ruim ou péssima.
Outros apontamentos e conclusões alcançados pela pesquisa
– Pessoas acima dos 55 anos apresentaram 80% mais de chance de reportar solidão como o maior problema quando comparados com as pessoas de 15 a 24 anos;
– A falta de dinheiro também foi um problema que aumentou sua relevância com o aumento da idade. Entre as pessoas com 45 a 54 anos, a chance de indicar essa como a maior dificuldade da quarentena foi 70% maior em relação às pessoas com entre 15 e 24 anos;
– Pretos, pardos e indígenas possuem 22% mais chance de indicar a falta de dinheiro como a maior dificuldade da quarentena do que Brancos e Asiáticos;
– 4 em cada 10 pessoas das pessoas LGBTIs e metade das pessoas trans (53%) não conseguem sobreviver sem renda por mais de 1 mês caso percam sua fonte de renda;
– Quase metade (44,3%) das pessoas tiveram suas atividades totalmente paralisadas durante o isolamento;
– A taxa de desemprego padronizada entre os LGBTIs foi de 21,6%, quase o dobro do registrado pelo IBGE no restante da população;
– 3 em cada 10 dos desempregados estão sem trabalho há 1 ano ou mais;
– 1 em cada 4 (24%) perderam emprego em razão da Covid-19;
– Durante a quarentena, 7 em cada 10 pessoas (68,42%) só saem de casa quando inevitável;
– 8 em cada 10 pessoas perceberam uma alteração de humor durante a quarentena;
– 28% das pessoas já haviam recebido diagnóstico prévio de depressão, número quatro vezes maior do registrado no restante da população, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde;
– 47% foram classificadas com o risco depressão no nível mais severo.
O relatório completo está disponível aqui.
Vaquinha
Como ação efetiva pensada para minimizar impactos do isolamento social durante a pandemia, o #VoteLGBT lança uma campanha que visa arrecadar fundos para apoio de entidades que prestam ações de amparo à comunidade LGBTI. Em parceria com a plataforma Benfeitoria, que está ampliando sua atuação no segmento, a iniciativa vai apoiar instituições em várias cidades brasileiras, entre elas Casa Satine (Campo Grande, MS), Outra Casa Coletiva (Fortaleza, CE), Casamiga (Manaus, AM), Ultra (Brasília, DF), Liga Brasileira de Lésbicas (Curitiba, PR) e Casa 1 (São Paulo, SP). As informações completas da campanha estão disponíveis no site www.benfeitoria.com/lgbt