Memória, sexualidade e resistência estão no filme de Renato Turnes, que acaba de ganhar trailer
Os primeiros desejos, o despertar da sexualidade, o fervo da juventude gay num país sob a ditadura militar, a devastação da epidemia da AIDS, o enfrentamento das perdas e do estigma, a festa como território de resistência. Em Homens Pink, documentário de Renato Turnes, a passagem do tempo e o envelhecer do homem gay no Brasil são retratados sob a ótica de nove homens de São Paulo e Florianópolis, que compartilham suas memórias com o ator e diretor.
O filme, realizado pela La Vaca Companhia de Artes Cênicas em parceria com a Vinil Filmes, traz as lembranças de Carlos Eduardo Valente (que cedeu imagens incríveis do Carnaval do Roma, em Florianópolis, para o filme), Celso Curi, José Ronaldo, Julio Rosa, Eduardo Fraga, Luis Baron, Tony Alano, Paulinho Gouvêa e Wladimir Soares, que devem despertar nos mais jovens a importância de reconhecer suas lutas.
“Eu acho que a epidemia da AIDS criou uma ruptura na nossa história. Os mais jovens, que vieram depois, perderam essas referências, pois muitos homens gays adultos morreram. Perderam um fio com a memória coletiva, uma coisa que nos une, uma sensação de pertencimento”

Além do filme, que acaba de ganhar trailer, o projeto também contou com uma performance solo de Renato Turnes e tem o apoio do Rumos Itaú Cultural. Saiba mais na entrevista a seguir:
Renato Turnes sobre a ideia inicial do projeto:
“A ideia do surgiu de uma constatação e uma inquietação. Uma constatação que veio com a passagem do tempo, depois que eu fiz quarenta e fiquei refletindo sobre esse momento da minha vida. Me lembrei de muitas coisas do passado, da juventude, de pessoas que eu conheci quando eu era muito novo e nunca mais vi. Outros homens gays que eu via nas festas, nas boates, bares ou na rua. Que eu admirava porque eram adultos gays que representavam uma possibilidade de um futuro pra mim e pra outros garotos da minha geração. Eles sabiam das coisas, eram experientes, aprendíamos com eles que lugar frequentar, que música ouvir, que artista admirar. E também a linguagem, os venenos, os códigos todos, inclusive os sexuais. Eram cultos, divertidos, bem vestidos, tinham empregos, amigos, amores, enfim, uma vida aos meus olhos digna, que eu via que era possível e queria pra mim. Eles mostravam que estava tudo bem, que ia dar certo, apesar de tudo. Depois, a inquietação ao me dar conta de perdê-los de vista.
Comecei a pensar e pesquisar sobre isso e entendi sobre o processo de invisibilização que os homens gays sofrem com o avanço da idade. Quis entender isso, encontrá-los e conversar, trazê-los de volta pra que eles me contassem como era antes, tudo que aconteceu e como eles estão. Aí eu vi que estávamos falando sobre histórias de vida muito particulares, mas que refletiam as memórias de toda a nossa comunidade. Eu acho que a epidemia da AIDS, que devastou a comunidade LGBTI nos anos 80/90, criou uma ruptura na nossa história. Os mais jovens, que vieram depois, perderam essas referências, pois muitos homens gays adultos morreram. Perderam um fio com a memória coletiva, uma coisa que nos une, uma sensação de pertencimento. Então eu acho que esses sobreviventes que encontrei são como elos vivos com a nossa memória enquanto comunidade.”
A escolha dos personagens do filme
“Alguns entrevistados eu, algum amigo ou alguém da produção conhecíamos. Aconteceu de entrevistados indicarem amigos também. Foi um processo bem espontâneo, sem pensar muito em perfis ou nada do gênero. Queria que fosse um pouco doméstico e simples, que eu chegasse já com alguma intimidade. Todos eles eu encontrei antes e conversamos de forma bem livre, eu explicava o projeto, fazia o convite e nessa visita já entendia como seria com aquela pessoa, sobre o que ele gostaria de falar e como seria a minha abordagem. Eles foram maravilhosos, muito generosos e abertos.”
De que forma Turnes se coloca no filme
“Eu me coloco inteiramente dentro do filme. Como documentarista e como performer. Eu entendo que aquilo também fala sobre mim, porque fala de todo o mundo. Eu procuro ter aquele olhar do jovem encantado pelo cara maduro, que eu comentei antes. Nesse sentido, eu me sinto à vontade para mostrar também a minha interação com eles e como aquilo me afeta.”
Sobre as maravilhosas imagens de arquivo
“Temos fotos do acervo pessoal dos entrevistados e algumas imagens de arquivo de canal de televisão, mas o grande material de arquivo são as fitas VHS do Carnaval do Roma, em Florianópolis, nos anos 90. Essas filmagens foram realizadas pelo Carlos Eduardo Valente, um dos nosso entrevistados, e seu marido Dominique Fretin. Eles gentilmente nos cederam as fitas e nós recuperamos e digitalizamos o material Esse material guia o filme, ele representa a festa, como o território de resistência, o ambiente de proteção, liberdade, beleza e fervo, onde todas as bixas se encontram.”