LIVRARIA, assim mesmo, em caixa alta, é sonho antigo da professora e pesquisadora Regina Melim
Florianópolis acaba de ganhar uma microlivraria com livros especiais, publicações de editoras independentes e outras obras urgentes para leitura nos tempos atuais: a LIVRARIA, que é chamada assim mesmo, pelo próprio substantivo. O projeto é da pesquisadora e pesquisadora Regina Melim, também idealizadora da par(ent)esis, plataforma de produção e publicação de projetos artísticos e curatoriais no formato de publicações impressas, junto com Antônio Azevedo, seu parceiro de vida que também a acompanha nessa experiência como livreiros. A LIVRARIA fica no Centro da Capital, no piso superior da casa que abriga também o charmoso Lammas Café e a Casa Lilled. Conversei por e-mail com a Regina para saber mais sobre o projeto:
1 – Você comentou no Instagram que a ideia inicial surgiu em setembro de 2019 em uma conversa com um amigo. Pode falar brevemente sobre como foi esse processo nos últimos dois anos, da ideia à inauguração? Quem são os envolvidos no projeto?
Citei a conversa porque foi uma das vezes que falei que gostaria de ter uma livraria e que a partir dali comecei a sonhar. Volta e meia eu pensava nessa possibilidade. Na verdade, persigo essa ideia há mais tempo do que possa imaginar. Em 2009, por exemplo, realizei um projeto chamado LOJA que era uma exposição de publicações de artistas no formato de uma loja, ou seja, tudo que era mostrado estava à venda e o modo como montamos era semelhante a uma livraria, mas também de uma galeria. Itineramos durante 2009 e 2010 por algumas cidades no Brasil. E me refiro no plural porque estava acompanhada das artistas Giorgia Mesquita (que desenvolveu toda a identidade visual da LOJA; e das artistas Maíra Dietrich, Ana Clara Joly e Rosana Rocha que, sem dúvida, tenho que acrescentar nos créditos desse projeto a participação intensiva delas). Jamais seria possível realizar sozinha um projeto dessa natureza. Penso que a LOJA foi uma espécie de ensaio da LIVRARIA.

2 – Como foi a escolha do local?
Sempre achei que uma livraria e um café formam um par perfeito. Duas quadras de onde moro tem um café que frequento, o Lammas. Acho muito charmoso, tem boa música, bom astral, cafés incríveis preparados pelo barista Kassio e que podem ser acompanhados por delícias salgadas e doces preparadas ali mesmo, pela Camila. Nesta mesma casa onde funciona o café tem também uma colab, a Lilled casa. “Namorei” esse lugar durante muito tempo, muitas vezes que fui ali pensei nessa possibilidade de ter uma livraria num lugar como aquele. Em junho desse ano criei coragem, propus a ideia e foi aceita de imediato. Dei pulos de alegria e comecei a esboçar a LIVRARIA, na verdade, uma micro livraria, com uma estante onde pudesse instalar livros especiais, livros que são urgentes para a leitura nos dias de hoje, livros que li e gostaria de compartilhar com mais pessoas, entre outras coisas. Tive a companhia da artista e designer Tina Merz que desenvolveu a identidade visual e de Antônio Azevedo, meu parceiro de vida e agora nessa experiência como livreiros.
“É trazendo de volta as pequenas livrarias de bairro que podemos pensar num mundo menos escandaloso como este que estamos habitando”
3 – Um dos destaques é a presença de publicações de pequenas editoras que geralmente estão apenas em feiras independentes. Como foi feita essa seleção? Podes citar algumas editoras que estão presentes?
Então, essa seleção aconteceu de uma forma muito natural. Desde 2006 tenho uma plataforma editorial, a parentesis onde publico textos de artistas e, assim, participo de feiras de publicações independentes desde que começaram a existir no Brasil, em 2009. Nesses anos todos pude conhecer editoras independentes incríveis, como A Bolha, criada por Raquel Gontijo e Stephanie Sauer; a Ikrek, criada pelos irmãos Pedro e Luis Vieira; a Glac, criada pelo Leonardo Araújo Bezerra; A Missão, criado por Maíra Dietrich; céu da boca, de Raquel Stolf, é – selo de língua, de Julia Rocha e Gustavo Galo, entre uma infinidade de iniciativas impressas, muitas delas de auto-edições empreendidas pelos próprios artistas, que são muitos! Existe uma produção muito grande que nunca chegam em livrarias até porque muitas dessas iniciativas não se coadunam com o formato de livraria que temos no Brasil. E uma coisa a destacar é que o Brasil tem uma singularidade que talvez só exista aqui: temos um número infinitamente maior de editoras em relação ao número de livrarias. A LIVRARIA terá essas editoras independentes que citei acima e outras tantas. Mas terá também editoras médias e grandes porque há títulos que não podemos deixar de ter na nossa estante.
4 – E sobre a curadoria literária no geral, como foi feita a escolha das editoras/obras/autores?
Livros que são urgentes para a leitura nos dias de hoje, livros que li e gostaria de compartilhar com mais pessoas, entre outras coisas. Assim, terá uma seleção que percorrerá literatura contemporânea brasileira e estrangeira; livros que abordam assuntos ligadas a formação cultural de nosso país, entre eles, estudos sobre a escravidão e o racismo; livros que abordam assuntos sobre o feminismo além do espectro da mulher branca cis-heteronormativa, livros que abordam processos (cada vez mais urgentes) de descolonização em vários segmentos de nossa cultura e história, entre outros. A lista de assuntos é extensa e não está necessariamente separada em blocos isolados. Muitos deles são justapostos e surgem apresentados tantos por filósofos, historiadores, sociólogos, psicanalistas, poetas, artistas, entre outros.
5 – Por fim, em tempos de Amazon com seus baixos preços e entrega rapidíssima, o que significa para você abrir uma microlivraria que vai totalmente na contramão dessa lógica?
Então, o livro Contra Amazon, de Jorge Carrión, publicado pela @editoraelefante, foi um dos desencadeadores do projeto de abrir uma livraria. Havia um desejo, como te falei anteriormente, mas ao ler esse livro não tive dúvida que é trazendo de volta as pequenas livrarias de bairro que podemos pensar num mundo menos escandaloso como este que estamos habitando. É interessante notar que na orelha do livro você vai ver o quanto uma livraria de bairro é importante. Jorge Carrión não está interessado em se dedicar na análise dos aspectos sociais e econômicos desse megaempreendimento que gera uma fortuna obscena ao seu proprietário, o tal de Jeff Bezos. Um sujeito que financia o projeto pra Marte e que segundo a Forbes é o cara mais rico do mundo. Ora, num mundo desigual como esse que vivemos a simples existência de um “cara mais rico” já nos provoca a refletir sobre esse disparate. Além disso, a Amazon não é uma livraria online, ela vende tudo (quiçá até a mãezinha se alguém mostrar interesse). Jorge Carrión é como nós, porque ele está interessado na humanidade dos livros, algo que a frieza computadorizada nega descaradamente. Ao final do livro temos o que chamo de bônus, ou seja, um presente muito especial, que são os depoimentos de pequenos livreiros aqui no Brasil contando que apesar da batalha diária que é a de conseguir pagar as contas, recebem em troca pessoas que entram e se deixam levar no passeio pelas estantes, batem papo e, não raro, levam um livro. Eu prefiro seguir essa lógica mesmo sabendo que numa perspectiva neoliberal e de financeirização do mundo é uma atitude que nada contra a corrente.
LIVRARIA
de terça a sexta, das 15h às 19h e no sábado das 11h às 17h
Rua Ferreira Lima, 113, piso superior, Centro, Florianópolis