Coletânea reúne contos com protagonistas femininas e universais, ilustrados por artistas de Florianópolis

Durante a pandemia, a jornalista Márcia Feijó seguiu todos os protocolos: usou máscara, fez pão, revisou sua vida, plantou rúculas na sacada e escreveu um pequeno livro de contos. “Nove histórias errantes”, lançado neste mês, é o primeiro livro ficcional da jornalista e sai pelo selo da Estúdio Semprelo, com ilustrações de Bruno Barbi, Carina Santos, Osmar Yang e Serge Kabongo. Ele está disponível em locais como a Livraria, microlivraria do Centro de Florianópolis.

Nessa entrevista, concedida à jornalista Dariene Pasternak, Márcia, que atuou por mais de 20 anos na imprensa como repórter e editora na área cultural com passagens pelo Jornal Pioneiro (RBS) e 18 anos no Diário Catarinense, e hoje também estudante de Letras-Francês na UFSC, conta o processo de criação e escrita da obra, realizada durante o deslocamento a pé casa-trabalho na pandemia. Os contos foram gestados primeiro mentalmente nessas caminhadas e só depois de prontos ganharam o papel. Por isso, os textos têm como característica marcante a oralidade, que segundo Márcia vem do hábito de compartilhar histórias, presente na sua trajetória de vida e também comum nas famílias afrodescendentes como a dela. Ela também revela como criou os contos e as protagonistas, todas mulheres que guardam relação com sua própria história de vida e aprendizados recentes. 

Como nasceram os contos? 

No ano passado, em maio, comecei a trabalhar presencialmente no meio da pandemia e, como não dirijo, decidi não ir de ônibus e sim ir a pé. São 35 minutos a pé de ida e 35 minutos de volta. Gosto de caminhar e nessas caminhadas comecei a inventar histórias, a me contar histórias. Eu ia todos os dias, principalmente na ida, pensando pedaços da história, como se tivesse contando essas histórias pouco a pouco. Quando elas estavam finalizadas eu realmente colocava no papel. Eu gosto de pensar que a maneira que essas histórias surgiram é como se essas personagens, todas femininas, me contassem essas histórias dentro da minha cabeça, porque elas se apresentavam, e eu pensava como elas eram e as histórias vinham vindo. Por isso se chama “Nove histórias errantes”, o errante de caminhar e também porque muitas dessas mulheres saem desse lugar para buscar outro lugar e elas não sabem onde vão chegar, vão pelo caminho até encontrar ou se encontrar.

Como elas cruzam com a sua própria história?

Eu venho de um período que eu busquei a mim mesmo, me entender quem eu era, o que eu queria para mim. Muito dessas minhas buscas estão refletidas nas buscas dessas personagens também, muito das minhas vivências desses últimos cinco anos têm a ver com essas personagens. Todas elas são um pouco de mim e tem um pouco da minha história de vida e dos meus aprendizados recentes.

E a escolha dos nomes das personagens?

Eu busquei nomes que têm origem em outras línguas, que a gente não costuma ouvir, de origem africana. O que eu queria com esses nomes era “des-situar” daqui, colocar essas mulheres no mundo, por isso a origem africana, hispânica. Kokoru significa formiga. É um nome que está muito relacionado com as características da personagem, uma formiga guerreira mesmo, pequena, ágil, perto de um urso gigante. Outro nome significativo é o Esperanza porque ele contradiz toda a história da personagem, mas ao mesmo tempo tem uma Esperanza naquele conto.

Como decidiu publicar esse livro? 

Publicar esse livro tem a ver com a minha revisão de vida, meus aprendizados recentes. Tenho uma trajetória de 20 e poucos anos dentro do jornalismo escrito, onde aprendi a escrever para o jornalismo, onde assinei um sem-fim de matérias e fiz um nome no jornalismo, mas sempre tive receio de mostrar o que escrevia mais pessoal ou ficcional. Publicar esse livro faz parte de me desafiar a ter uma postura diferente. Esse livro é um presente para mim, um presente de anos, de resolver mostrar o que escrevia.

Mostrei esses textos para o Brüggemann [Fábio Brüggemann, escritor e editor hoje da Estúdio Semprelo], que se tornou editor e resolvi bancar essa edição como um presente para mim.

Como ocorreu a escolha dos ilustradores? 

As ilustrações são algo muito importante nesse livro. Porque eu, quando eu me contava essas histórias, ao mesmo tempo eu imaginava as cenas, as personagens. Quando eu decidi publicar, eu sabia que precisava ter ilustrações. Um dos contos eu queria muito ele ilu

strado, daí pensei em pessoas cujas criações de arte eu admirava muito. Primeiro escolhi o texto que tinha a ver com elas, enviei o texto e pedi para lerem e depois discuti a possibilidade de ilustrar. O que eu evitei de fazer foi direcionar, dizer como viam. Queria que elas olhassem para as personagens e colocassem na arte o que elas tinham visto. Essas ilustrações são leituras especiais desses quatro ilustradores, que admiro muito.

O Bruno Barbi, essa pessoa incrível, que enche Florianópolis de imagens de pessoas negras. Convidei ele para retratar a Esperanza, porque ele é um cara das ruas e o conto é um conto das ruas. O Osmar (Zang) eu estudo francês com ele na UFSC, ele faz aquarelas incríveis. Além do francês, temos em comum o fato de gostar de cinema oriental. Ele é descendente de chineses e o lugar do silêncio tem essa coisa meio oriental. O Serge (Kabongo), eu conheço de curso francês, mas da Aliança Francesa, que ele trabalhava lá. Ele se mostrou um grande artista. Quando imaginei a Kokoru sempre imaginei ela nos traços do Sérgio. Ele faz essas mulheres africanas tão fortes, tão imponentes, bonitas e empoderadas. A Carina (Santos) eu conhecia mais pelo Instagram do que pessoalmente. Foi surpreendente porque ela fez uma leitura da Akilembé, que era como eu a imaginava. O cenário que ela está, acabou também apaixonando o editor, que trouxe parte da ilustração para a capa.

“Nove histórias errantes”. De Márcia Feijó. Editora Estúdio Semprelo. 50 págs, R$ 45. 

Foto em destaque: Sérgio Vignes